sexta-feira, 25 de novembro de 2011

O Homem do Leme


Hoje em conversa com um grande amigo, veio á baila a estátua do Homem do Leme, escultura de Américo Gomes, 1934, na Foz na cidade do Porto.
Avivou-me memórias de infancia, brinquei muito aos pés desta estátua!

A maqueta da estátua encontra-se no Museu de Ílhavo e deixo algumas palavras do seu Director a este proposito.


“… o ulterior destino, em hora feliz proporcionado à maquette do “Homem do Leme”, cujo expressivo realismo fortemente me impressionou, desde que na Exposição Colonial do Porto tive ensejo de admirar tão equilibrada composição escultórica, veio pôr em evidência as reais e extraordinárias qualidades de observação e a técnica apurada do seu consciencioso autor.
Na verdade, pensado para simbolizar o esforço consciente e tenaz das navegações portuguesas e realizado expressamente para a vasta nave do Palácio de Cristal, o “Homem do Leme”, na salinha aconchegada do Museu Municipal de Ílhavo, onde veio encontrar carinhoso e seguro abrigo, nem destoa pelo inevitável contraste das suas dimensões nem corre o perigo de deixar incompreendido o pensamento que o inspirou.
Direi mais: no Museu de Ílhavo em que à Etnografia marítima é dispensado particular acolhimento, onde cada objecto nos evoca o Oceano e o trabalho árduo e ignorado do nosso marinheiro, a realização do Artista valoriza-se com o especial ambiente que a cerca; a atitude daquela figura rude, meramente simbólica na sua origem, humaniza-se mais e adquire agora maior compreensão: ganha em naturalidade o que, porventura, possa perder em valor de símbolo colocada neste meio, todo ele de evocação marítima também.
Desde a máscara enrugada pelo vento cortante de largos mares, fronte contraída dominando a emoção, atenção concentrada no horizonte distante, procurando divisar a linha da costa, até o oleado e o sueste por aquele corpo envergados, tudo se transmudou ali no marinheiro ilhavense que não receia desafiar as porcelas medonhas nem as vagas alterosas dos mais longínquos mares do globo, onde a vida de tantos tem sido o preço da heróica aventura constantemente renovada.
Como a bordo dos humildes veleiros de Ílhavo, parece também que os nossos ouvidos ouvem bradar:
“ – Seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo! Leva a cima, ó Senhores do quarto, olha a quem toca o leme e a vigia!”,que tal é o tradicional chamamento do quarto, à voz do qual o “Homem do Leme” se encaminha ao seu posto de confiança e ao mesmo tempo de provação e sacrifício por toda a tripulação.
-“Seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo”, pronuncia ele ainda ao chegar junto do camarada que vai render.
E logo se descobre, se o tempo o permite, faz o sinal da cruz que o verdadeiro homem do mar jamais esquece, e recebe o leme das mãos enregeladas que o precederam, ouvindo em resposta à sua secular saudação, a breve e sentida fórmula, igualmente consagrada por milhares de cruzeiros dos navegadores de Portugal – “ Para sempre seja bendito!”
Na religiosidade do momento sem par, um arrepio de emoção sincera passa naqueles dois homens fortes, em pleno alto mar, em face de Deus e do mistério insondável das águas.
Tudo isto, com particular felicidade, a escultura de Américo Gomes evoca, e eu sinceramente rejubilo por ver a expressiva obra de arte no Museu da minha terra natal - glorificação do trabalho do mar, para quem o souber compreender que organizei e que tenho a honra de dirigir.
O Artista, procurando um símbolo de ordem geral que consubstanciasse a própria vida marítima, realizou afinal, a plasticização do marinheiro de Ílhavo, que sulca todos os mares, intemerato, e tripula todos os navios.
Na Arte como na Vida ! “

António Gomes da Rocha Madail
(Director do Museu Municipal de Ílhavo )



O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»

Fernando Pessoa
In Mensage

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